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Confira os danos que a privatização da Eletrobras causará à sociedade brasileira


Por Adriano Salgado • 5 de agosto de 2021

Para evitar o que chamou de “caos no sistema energético”, o presidente Jair Bolsonaro, com o apoio da sua base governista, conseguiu aprovar, no mês de junho, a privatização da Eletrobras. A proposta tramitou no Congresso Nacional por meio da Medida Provisória (MP) 1031/21, o que dificultou um debate mais amplo por conta do prazo de vigência da MP que é de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período. Atualmente, a Eletrobras é vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME) e responsável por 30% da energia gerada no país.  

Fernando Fernandes, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia (Pocae), criticou a rapidez com que a proposta foi aprovada e o discurso defendido pelo governo sobre uma possível crise hídrica no setor elétrico para passar a MP. Para ele, o governo federal tentou responsabilizar tanto o clima quanto a população, que estaria “desperdiçando” energia.

“Todas as evidências, levantadas pelo MAB junto com outras organizações, apontam que os reservatórios foram esvaziados propositalmente pelas empresas. Com isso, elas acionam as bandeiras tarifárias e garantem um aumento da conta de luz, e, consequentemente, a ativação das termoelétricas, que também são de posse das empresas que ativam um mecanismo de aumento das contas de luz”, explicou o coordenador do MAB.

As novas ações da Eletrobras, que serão vendidas no mercado sem a participação do governo, resultam na perda do controle acionário de voto majoritário mantido atualmente pela União. A venda de ações deve reduzir a participação da União na companhia para 45%. Cada acionista, individualmente, não poderá deter mais de 10% do capital votante da empresa. Sobrará à União uma ação de classe especial (golden share) que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas. A medida permite a concessão de exploração de usinas para as empresas privadas por um período de 30 anos.

Segundo especialistas do setor elétrico, a privatização da maior empresa de energia elétrica da América Latina trará graves consequências à população brasileira e à economia do país, como o aumento de tarifas, desindustrialização e desemprego, possibilidade de novos apagões,  crimes sociais e ambientais, violação de direitos, ataques à soberania energética do país, entre outros.
 

 Tarifaços
Com a privatização, segundo Fernando Fernandes, a conta de luz poderá ficar cerca de 20% mais cara nas residências. O aumento percentual já foi previsto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2018, quando o debate sobre a privatização da empresa estatal veio à tona no governo de Michel Temer (MDB), com o Projeto de Lei (PL) 9463/18. Atualmente, a Eletrobras produz uma das energias mais baratas vendidas no país, em torno de R$ 65,00/1.000 kWh (quilowatt por hora). O valor é bem abaixo do mercado de energia, que cobra em média R$ 250,00/1.000 kWh.

Emanuel Mendes, diretor da Associação de Empregados da Eletrobras (Aeel), concorda que a privatização causará aumento nas tarifas. “A concentração de mercado que a Eletrobras possui vai conceder aos seus novos acionistas um poder de determinar oferta, e, portanto, os preços de energia. Assim, a tarifa final deve subir em paralelo com o aumento de crises de abastecimento, prejudicando diretamente as famílias e as empresas, mas principalmente os mais pobres, que no futuro próximo não terão acesso ao serviço essencial de energia”, afirmou.

 Desindustrialização e desemprego
Cerca de 99% da população brasileira utiliza energia elétrica e praticamente todos os setores produtivos estão relacionados à eletricidade. Com custos maiores, pequenas e médias indústrias podem fechar, agravando a desindustrialização e o desemprego em todo país.Outra consequência será o aumento no preço de bens de consumo, alguns essenciais, pois a alta no processo de produção deve ser repassada ao consumidor final.

“Tende-se com o aumento da energia, que é um dos insumos principais no setor de produção, que pequenas e médias indústrias possam vir a decretar falência, agravando ainda mais o desemprego no nosso país. Em vez de estimular os insumos de produção, como a energia, para que sejam mais baratos e aumentar a produção industrial, o governo privatiza a Eletrobras para garantir um aumento abusivo das contas de energia elétrica do nosso país”, criticou Fernandes.

 Novos apagões
Além do aumento de tarifa, o país também corre o risco de ter a qualidade da geração, transmissão e distribuição da energia prejudicada e vivenciar novos apagões energéticos, como os que ocorreram no estado do Amapá em 2020, depois da privatização da área de transmissão de energia elétrica no estado. As empresas privadas assumiram o controle da área há alguns anos – Isoloux e depois, em 2020, a Gemini Energy -, e negligenciaram os investimentos na manutenção do sistema. O resultado foi um apagão que durou três semanas.

“As empresas pensam em apenas explorar lucros e não garantem reformas e melhorias em suas infraestruturas, desencadeando processos e deixando a população à mercê. Então, esses novos apagões podem ser uma tendência tanto no país todo, como nos estados que estão passando pelo processo de privatização”, alertou o representante do MAB e do Pocae.

 Soberania
A privatização da companhia de eletricidade também comprometerá a soberania nacional, ao tirar do controle do Estado a maior produtora e distribuidora de energia do país. Cerca de 75% da eletricidade gerada no país é proveniente de usinas hidrelétricas  e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios, ao lado do abastecimento de água, da regularização dos rios, da irrigação, entre outros.  Por esta razão, conforme Fernandes, o controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico.

“Os novos acionistas da Eletrobras também serão donos das hidrelétricas em quase todas as bacias hidrográficas do nosso país. O controle dessas bacias poderá abrir mercado para consolidar no nosso país um projeto antigo sobre a instalação do mercado das águas no Brasil, em que rios, aquíferos, águas subterrâneas, lagos, reservatórios se tornariam privados. Se cria um mercado de outorga pela utilização da água, que é um modelo que já existe no Chile. É uma medida que pode dificultar o acesso à água, criar conflitos e aumentar o custo das tarifas de água”, disse Fernandes.

 Novos crimes
Outra grande preocupação em relação à privatização da Eletrobras é a possibilidade de ocorreremcrimes sociais e ambientais, como foi o caso do rompimento das barragens nos municípios de Mariana (MG) em 2015, da mineradora Samarco S., e Brumadinho (MG) em 2019, da Vale S.A, criada a partir da privatização da então empresa estatal brasileira Companhia Vale do Rio Doce.

“São os casos mais tristes na história do Brasil e mostram o que significa a privatização, em que empresas passam a ter apenas como prioridade a exploração dos recursos naturais e a garantia de lucro acima de tudo e, ainda, não realizam a manutenção nas estruturas. Então, essa é uma das nossas preocupações com a privatização da estatal, considerando que a Eletrobras é dona de barragens hidrelétricas em quase todas as bacias do país”, argumentou Fernandes. 

Para ele, aprivatização da estatal também terá impacto negativo na garantia dos direitos das populações atingidas pela construção de barragens. “Defendemos a manutenção da Eletrobras enquanto uma empresa pública, porque ela nos possibilita a garantia dos direitos das populações atingidas e facilita o debate de um projeto de Nação e sobre o papel da água e a energia em nosso país. Não necessariamente uma empresa pública tem como prioridade a geração de lucro, mas a de servir a sociedade”, reforçou o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens .

 Efeito estufa
Uma das grandes polêmicas no texto aprovado pelo Congresso Nacional sobre a privatização da Eletrobras é a contratação de mais termelétricas no país. Hoje, as termelétricas costumam funcionar quando o volume de água no reservatório das usinas hidrelétricas está baixo. O governo, ao privilegiar a matriz térmica em detrimento de fontes mais limpas como a solar e a eólica, opta por contribuir com impactos ambientais significativos. Uma pesquisa do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) estima que a privatização da empresa trará um aumento anual de 24,6% nas emissões de gases de efeito estufa em comparação a dados de 2019 do setor elétrico. Nesse cenário, também podem crescer, em 45%, as emissões das termelétricas a gás natural.

 Terceirização
No setor elétrico brasileiro, uma das características do processo de privatização é a substituição de trabalhadores e trabalhadoras do quadro próprio por terceirizados e terceirizadas, explica Emanuel Mendes, diretor da Aeel. “Os terceirizados sofrem com condições precárias de trabalho, o que afeta a qualidade do serviço, mas também impacta a segurança desses trabalhadores”, ressaltou.

Mendes disse que, com as privatizações nas últimas décadas, o número de vínculos laborais no setor foi reduzido quase pela metade, resultado, segundo ele, da “terceirização em massa”. Atualmente, a Eletrobras possui cerca de 12 mil trabalhadores e trabalhadoras no seu quadro funcional.

De acordo com Mendes, a Aeel irá recorrer e provar que a MP é inconstitucional. “Além da terceirização, a medida fere vários artigos da Constituição Federal, dentre eles o artigo 37 que afronta os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que reger a administração pública, uma vez que fere a legalidade ao não se observar os requisitos de urgência e relevância de uma MP”, detalhou.

 Privatização
O processo de privatização de grande parte do segmento de distribuição da energia elétrica no país teve início na década de 1990. A distribuição é o setor responsável por receber a energia das empresas de transmissão e distribuí-las para os centros consumidores residenciais e industriais.

Nos últimos anos, foram privatizadas as distribuidoras que eram controladas pela Eletrobras nas regiões Norte e Nordeste e, também, distribuidoras estaduais como a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica Rio Grande do Sul (Ceee), a Companhia Energética de Brasília (CEB) e a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), todas em 2021. (Veja o quadro)

Hoje, no setor de distribuição de energia elétrica restam apenas algumas empresas públicas como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), a Companhia Paranaense de Energia (Copel), Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc) estaduais; e DME Poços de Caldas, municipal.

Após muitos protestos contra a forma como foi conduzida a votação e contra o conteúdo do projeto, diante de tantas irregularidades, a privatização da Eletrobras poderá ser contestada na Justiça. Soma-se ainda o fato do presidente Bolsonaro tersancionado a proposta, no dia 12 de julho, com diversos vetos, alguns a cláusulas que protegiam as e os servidores da estatal e evitavam a extinção de algumas subsidiárias da Eletrobras.

 Vetos
O presidente Jair Bolsonaro sancionou com vetos a Lei 14.182/21, que viabiliza a privatização da Eletrobras. Sob o argumento de que contrariam o interesse público, Bolsonaro vetou a possibilidade de que as e os empregados da Eletrobras adquiram até 1% das ações da União, com preço fixado antes da publicação da MP da privatização, e a exigência que o Executivo reaproveite, em outras áreas, funcionárias e funcionários demitidos sem justa causa até 12 meses depois da privatização. O requisito de realocação das e dos moradores que ocupam a faixa de servidão de linhas de transmissão de alta tensão também foi vetado. O texto determinava a mudança para moradias do programa Casa Verde e Amarela. Conforme o Executivo, não há previsão orçamentária, tampouco critérios para a seleção dos beneficiários.

Outro trecho vetado pelo presidente determinava que quatro subsidiárias da Eletrobras (Chesf-PE, Furnas-RJ, Eletronorte-DF e Eletrosul-SC) não seriam extintas, incorporadas ou fundidas por no mínimo dez anos. Segundo o governo, essa regra dificultaria o processo de desestatização e poderia também limitar a gestão da empresa. Foi vetada também a obrigação de os nomes indicados para diretoria do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) passarem por sabatina no Senado, entre outros vetos. O Congresso Nacional analisará os vetos do presidente.

 ANDES-SN contra a privatização
O ANDES-SN sempre foi crítico ao processo de privatização das estatais, iniciado nos anos 1990 com governos neoliberais e que prossegue até os dias atuais. Para a entidade, a privatização da Eletrobras é mais um ataque, neste momento de crise sanitária e econômica, ao povo brasileiro, que sofrerá com aumentos abusivos nas contas de luz e a perda de qualidade no serviço prestado, além dos impactos sociais e ambientais que também afetam a população.
 

Fonte: ANDES/SN

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