Por Adriano Salgado • 30 de outubro de 2019
Assessoria Jurídica Nacional apresenta nova análise acerca do “Programa Institutos e Universidades Empreendedores e Inovadores – FUTURE-SE”, oriundo do Governo Federal, em sua segunda versão.
O Governo Federal apresentou o programa FUTURE-SE no dia 17 de julho de 2019, sob a justificativa de dar maior autonomia financeira a universidades e institutos federais por meio do fomento à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo. O texto do projeto inicial foi submetido a uma “consulta pública”, que se revestiu, na verdade, de um chamamento público de opinião sobre o seu teor, onde o opinante poderia marcar sua concordância, sua discordância e sugerir uma redação ao texto. Segundo dados extraídos do site do Ministério da Educação, “os mais de 40 dias de consulta pública do Future-se resultaram em um total de 59.204 pessoas cadastradas, das quais 20.462 responderam pelo menos uma pergunta do formulário”.
A despeito de não se tratar de verdadeira consulta pública ou de gerar um debate equânime com o governo, a segunda versão do Programa que aqui analisamos é resultado desse processo.
O novo texto legal inicia descrevendo a finalidade do Programa FUTURE-SE, que seria o de garantir a sustentabilidade financeira intertemporal das instituições, por meio do fomento à captação de recursos próprios; propiciar fontes adicionais de receitas às entidades; garantir a destinação dos recursos próprios diretamente para a respectiva universidade ou instituto federal; promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação; fomentar a promoção da visão empreendedora e estimular a internacionalização das universidades e institutos federais.
De início, impõe registrar que o projeto menciona, pela primeira vez, fontes adicionais de receitas às entidades. Embora não seja expresso como ficará a situação das IFES que não aderirem ao programa, tampouco de mencionar o repasse direto pela via do orçamento público, há alguma fagulha mais positiva nessa versão do que na inicial.
A participação no FUTURE-SE ocorrerá pela celebração de um contrato de desempenho, firmado entre a IFES e o Ministério da Educação e terá prazo mínimo de duração de doze meses, podendo ser prorrogado por ato do Poder Executivo, com prazo de vigência não superior a 4 anos. A contrapartida do contrato é a concessão de benefícios especiais caracterizadas por “autonomias especiais concedidas para as universidades e institutos federais, bem como medidas facilitadoras do atingimento dos fins colimados por cada eixo do programa”. Como exemplo, esses benefícios albergam a autorização para concessão de bônus para servidores e o recebimento de receitas provenientes do Fundo Soberano do Conhecimento. Obviamente, esses bônus possuem natureza eventual e é vinculado ao cumprimento do contrato de desempenho, sem incorporação à remuneração, enquanto as receitas do Fundo devem ser destinadas às atividades de empreendedorismo, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação e internacionalização.
Segundo definição do próprio projeto, o contrato de desempenho é o “instrumento jurídico celebrado entre a universidade ou instituto federal e a União, caracterizado pela consensualidade, objetividade, responsabilidade e transparência, com a finalidade de estabelecer indicadores de resultado para a contratante, tendo como contrapartida a concessão de benefícios especiais.” Mais do que essa definição, o contrato preverá os indicadores para mensuração do desempenho de cada instituição, que será avaliado conforme a variação percentual do resultado. Ou seja, estando firmado o compromisso entre as IFES e o Ministério da Educação, o não atingimento desses indicadores poderá significar o descumprimento das cláusulas contratuais e o desligamento do Programa.
Um dos pontos que merece atenção no Projeto é o que prevê a redução da despesa com pessoal como indicador obrigatório de todo contrato de desempenho. Nota-se que a adesão ao Programa é necessariamente vinculante a esse item, o que precariza a máxima do acesso pela via do concurso público. Afinal, aqui não se prevê a impossibilidade de contratação, mas a redução da despesa com pessoal, o que poderá ser proporcionado pela terceirização das atividades. Esse ponto é tão fundamental no Programa que também foi trazido como um preceito, determinando que deve haver “racionalização das despesas com remuneração e vantagens de qualquer natureza”. Há, ainda, a previsão de edição de um regulamento posterior para normatizar as medidas para redução de despesa de pessoal, sem prejuízo das diretrizes na gestão da política de pessoal sobre a redução, que é item obrigatório de constar do próprio contrato.
O contrato de desempenho firmado entre a IFES e o Ministério da Educação será acompanhado de acordo com procedimentos internos que serão estruturados pelo Ministério da Educação, que deverá ainda garantir que o valor referente a receitas próprias das universidades e institutos federais seja direcionado exclusivamente à sua respectiva instituição.
Em distinção ao projeto original, a versão atual prevê que as universidades e institutos federais poderão celebrar contratos de gestão com organizações sociais, mas também contratos e convênios com fundações de apoio. Com as fundações, os contratos poderão abranger o apoio a projetos de produção, fornecimento e comercialização de insumos, produtos e serviços, relacionados às áreas de atuação da universidade ou do instituto federal participantes do programa Future-se, no território nacional ou no exterior. Já quanto às organizações sociais, é dispensado o chamamento público para a sua contratualização com as universidades e institutos federais, desde que o objeto do contrato esteja no âmbito do contrato de gestão existente.
Os eixos do Programa FUTURE-SE serão divididos em:
EIXO 1 – Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação;
EIXO 2 – Empreendedorismo; e
EIXO 3 – Internacionalização.
Cada um desses eixos possui diretrizes e especificidades próprias, previstas ao longo dos capítulos IV, V e VI, de onde de destaca a identificação das potencialidades do corpo docente, discente e técnico-administrativo e de infraestrutura da instituição de ensino, assim como as necessidades do setor empresarial e contexto regional, com o objetivo de direcionar as ações da política de inovação, quanto ao EIXO 1; o aperfeiçoamento da gestão patrimonial dos bens das universidades e institutos federais, mediante cessão de uso, concessão, comodato, fundo de investimentos imobiliários, realização de parcerias público-privadas, entre outros mecanismos, observada a autonomia universitária, quanto ao EIXO 2; e a mobilidade internacional do corpo docente e discente e dos servidores técnico-administrativos em educação para o EIXO 3.
O projeto de lei do FUTURE-SE prevê a possibilidade de constituição de Sociedades de Propósito Específico (SPE), que possuirão o objetivo de fortalecer o poder de compra, o compartilhamento de recursos, a combinação de competências, a divisão do ônus da realização de pesquisas, a partilha dos riscos e custos ou o oferecimento de produtos com qualidade superior e diversificada. Essas SPE terão prazo de funcionamento determinado e serão uma sociedade formada por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, que resolvam trabalhar em conjunto para atingir o objetivo pretendido, e assumirão a forma legal de sociedade limitada ou anônima. As SPE constituirão seu patrimônio próprio e obedecerão a padrões de governança corporativa, adotando contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme disposto em regulamento.
Em comparação ao projeto original, a versão atual prevê expressamente que as dotações orçamentárias regulares previstas no art. 212 da Constituição Federal e no art. 55 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não serão substituídas pelas receitas provenientes das fontes oriundas do Fundo Patrimonial e do Fundo Soberano do Conhecimento, que são fontes adicionais de financiamento.
O Fundo Patrimonial poderá ser constituído pelo Ministério da Educação mas também pelas universidades e institutos federais. Esse Fundo será gerido por uma organização gestora, que é uma instituição privada sem fins lucrativos, constituída sob a forma de associação, que será escolhida por meio de seleção simplificada. Como receitas, esse fundo será constituído por diversas fontes, como as receitas decorrentes de arrecadação própria das universidades e dos institutos federais (prestação de serviços compreendidos no objeto das universidades ou dos institutos federais, como estudos, pesquisas, consultorias e projetos; matrículas e mensalidades de pós-graduação lato sensu nas IFES); doações financeiras e de bens móveis e imóveis; os recursos derivados de locação, empréstimo ou alienação de bens e direitos ou de publicações, material técnico, dados e informações, dentre vários outros. Os rendimentos dos recursos próprios das IFES deverão ser utilizados somente em projetos e programas das respectivas instituições, por intermédio de uma organização executora, que poderá ser uma organização social ou fundação de apoio. Já os recursos decorrentes das receitas de arrecadação própria serão destinados ao Fundo Patrimonial do Ministério da Educação, sem necessidade de prévio fluxo orçamentário.
Já o Fundo Soberano do Conhecimento constitui-se em um fundo de investimento específico, multimercado, que poderá ter a participação da União Federal como cotista. Esse fundo de investimento será composto de diversos ativos, como ações, renda fixa, câmbio, ativos financeiros e imobiliários, inclusive públicos. A constituição, estruturação administração e gestão do fundo de investimento será feito por instituição financeira, escolhida por procedimento simplificado, dispensada a licitação. Inclusive, a União é autorizada a prever no instrumento convocatório do procedimento seletivo simplificado a possibilidade de realização das despesas iniciais de estruturação do fundo de investimento, observada a disponibilidade financeira e orçamentária. As cotas desse fundo poderão ser adquiridas e integralizadas por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, nacionais ou estrangeiras, estatais ou não.
Os recursos integralizados pela União no Fundo Soberano do Conhecimento e aqueles decorrentes das aplicações financeiras poderão ser alocados nas ações de fortalecimento do programa Future-se, assim compreendidas aquelas relacionadas à pesquisa, desenvolvimento e à inovação, ao empreendedorismo e à internacionalização; em ações supletivas, objetivando o auxílio às universidades e aos institutos federais participantes que tenham reduzido potencial de captação de recursos, bem como a premiação à variação positiva nos indicadores de resultado estabelecidos pelo contrato de desempenho; e em ações voltadas à assistência estudantil, desde que vinculadas ao empreendedorismo ou à pesquisa e inovação.
Contudo, o Ministério da Educação também poderá repassar a rentabilidade das cotas do FSC, diretamente, para as organizações sociais participantes do programa, desde que estas utilizem tais recursos nos objetivos elencados nos eixos ou os destinem para o Fundo Patrimonial do Future-se.
Por fim, é prevista a criação de um Comitê-Gestor, responsável pelo acompanhamento e supervisão do Programa FUTURE-SE, que será composto por representantes das universidades e institutos federais e dos Ministérios da Economia, da Educação e da Ciência e Tecnologia. Será de competência desse Comitê-Gestor assegurar a correta e regular destinação dos recursos do Programa e acompanhar a avaliação dos indicadores de resultado referentes ao contrato de desempenho.
Para além do extenso regramento do Programa FUTURE-SE, que ainda contempla uma série de especificidades, o Projeto de Lei também promove a alteração de 16 outras legislações.
Confira a tabela comparativa das mudanças no Projeto Future-se: