Por Adriano Salgado • 5 de março de 2021
Em mais uma atitude autoritária, o Ministério da Educação encaminhou um ofício às administrações das Instituições Federais de Ensino (IFE), em 7 de fevereiro, no qual orienta que medidas sejam tomadas para “prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino”. Essa e outras ações de fiscalização ideológica à comunidade acadêmica constam de uma Recomendação do Ministério Público Federal (MPF) nº 133 (SEI-MEC 2483911), de 5 de junho de 2019, elaborada pelo procurador-chefe da República em Goiás, Ailton Benedito de Souza. O documento foi anexado ao ofício enviado pelo MEC.
De acordo com o documento, assinado pelo Diretor de Desenvolvimento da Rede de IFES, Eduardo Gomes Salgado, o ofício atende uma “solicitação da Corregedoria do Ministério da Educação que, face ao recebimento de denúncias relacionadas à matéria, entendeu pela necessidade de envio do documento do MPF às IFES, visando à observância aos parâmetros estabelecidos para a utilização do espaço e bens públicos”.
Para a presidenta do ANDES-SN, Rivânia Moura, a atitude do MEC reforça o cenário de perseguição à comunidade acadêmica e intervenção na autonomia das instituições, que foi bastante aprofundando com a posse do presidente Jair Bolsonaro em 2019. Representa, também, um ataque frontal a uma das principais funções da Educação – fomentar o debate de ideias e de pensamento crítico.
“O ANDES-SN se posiciona totalmente contrário a essa postura do MEC de seguir a recomendação do procurador da República do Estado de Goiás, que determinou a impossibilidade de realização de manifestações e atos políticos nas instituições de ensino. Nós consideramos um grande prejuízo para a Educação Pública e um grande prejuízo para o que significa de fato educação, no sentido do debate das ideias, da construção política, da pluralidade, no sentido de que as universidades, institutos e cefets são os espaços propícios para que a gente faça o bom debate, para que a gente tenha posicionamentos diferentes, para que a gente possa ter um espaço também da crítica”, afirma Rivânia.
A presidenta do Sindicato Nacional ressalta que o MEC tem feito recomendações no sentido de perseguir a professores, estudantes e técnicos administrativos, devido aos posicionamentos políticos dos sujeitos que compõem a comunidade acadêmica, contrariando inclusive decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Constituição Federal.
“Tem sido comum no âmbito do Ministério da Educação perseguir professores. Nós temos casos recentes de perseguições a professores por posicionamentos contrários às políticas do governo, por posicionamentos contrários às medidas adotadas no âmbito do governo federal que ferem as questões científicas. Nós temos um cenário em que se faz extremamente necessário confrontar opiniões [negacionista] com fatos científicos e as universidades, os institutos, os cefets são espaços para esses debates. Nós nos posicionamos contra [mais] essa perseguição do MEC, que impede que as nossas instituições de ensino sejam exatamente o que devem ser na sua essência, um espaço de debate e de construção do conhecimento”, ressalta.
Por diversas vezes, em especial durante a pandemia de Covid-19, pesquisadores e professores de instituições federais de ensino se posicionaram publicamente contra manifestações negacionistas e ações ineficazes adotadas pelo Governo Federal em relação à doença e também contra diversas outras medidas que atacam os serviços públicos e os direitos da população.
O ofício enviado pelo MEC destaca alguns trechos da recomendação do MPF/GO entre os quais que “a utilização de dependências físicas, o uso de bens móveis, materiais ou imateriais, para a promoção de eventos, protestos, manifestações etc. de natureza político-partidária, contrários ou favoráveis ao governo, caracteriza imoralidade administrativa.” Leia aqui o ofício enviado pelo MEC às Instituições.
Para Leandro Madureira, da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN, a atitude do Procurador da República Ailton Benedito é evidentemente persecutória e contrária aos ditames constitucionais. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o direito à livre manifestação do pensamento na ADPF 548, em ação proposta justamente pela então Procuradora da República, Raquel Dodge.
“Felizmente, a posição do procurador de Goiás é minoritária e não encontra eco nessa importante instituição de nosso país. A opinião do Procurador não vincula a administração pública federal e o Ministério da Educação, em articulação política contrária à moralidade, à legalidade e ao interesse público, deseja recomendar como as pessoas devem pensar em nosso país. A quem interessa calar as vozes que se opõem ao governo, senão a ele próprio?”, analisa Madureira. Confira o parecer da AJN do ANDES-SN.
Fonte: ANDES-SN