Por Adriano Salgado • 29 de setembro de 2020
Proposta do governo de utilizar recursos do Fundeb e precatórios para financiar programa social gera duras críticas no Congresso, entre especialistas em contas públicas e educadores.
Dois meses após o Congresso Nacional impedir o avanço do governo em utilizar parte do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) no financiamento de um programa social de transferência de renda, o Executivo fará nova investida para que uma porcentagem do dinheiro destinado ao fomento do ensino seja aplicado. Desta vez, a justificativa é tirar do papel o Renda Cidadã.
Além transferir recursos previstos para a educação, o Palácio do Planalto defende que uma parcela do dinheiro destinado para o pagamento de precatórios – dívidas de ações judiciais do governo —, seja usada como fonte de financiamento do substituto do Bolsa Família. A proposta do governo repercutiu mal no meio político, no mercado e entre especialistas em contas públicas e em educação.
O novo programa social constará da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos que devem ser acionados no caso de descumprimento do teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento da despesa à inflação do ano anterior.
O senador Marcio Bittar (MDB-AC) explicou que a ideia do governo é destinar 2% da Receita Corrente Líquida (RCL), algo entre R$ 16 bilhões e R$ 18 bilhões, para o pagamento de parte dos R$ 55 bilhões de precatórios previstos no Orçamento. O restante, de R$ 37 bilhões a R$ 39 bilhões, seria utlizado para financiar o Renda Cidadã. A fim de garantir recursos adicionais, Bittar também vai propor a utilização de até 5% dos repasses extras da União para o Fundeb.
Essas mudanças vão mais do que dobrar o orçamento do Bolsa Família previsto na peça orçamentária do ano que vem, que é de R$ 34,8 bilhões. O valor do Renda Cidadã, ainda sem considerar os recursos do Fundeb, teria uma largada de pelo menos R$ 71,8 bilhões.
O mercado financeiro e a classe política reagiram mal ao plano apresentado para o Renda Cidadã. Ontem, o Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), fechou o pregão em 94.666 pontos. Foi uma queda de 2,41%, na contramão da expectativa do mercado externo e das expectativas iniciais com os anúncios prometidos pelo Planalto, que incluíam as reformas tributária e administrativa. Ainda no mercado, o dólar disparou 1,42%, sendo cotado a R$ 5,636 no fim do dia. Foi o maior patamar dos últimos quatro meses.
Na avaliação de analistas, o governo estará institucionalizando uma forma de “calote” na dívida pública, ou até mesmo uma “pedalada”, indo na contramão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Constituição. O especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, considerou as duas “muito ruins, do ponto de vista fiscal”. “Não se cancela precatório. O que se faz é jogar pra frente. Ao limitar pagamento a 2% da receita corrente líquida, você simplesmente escolhe pagar uma parte e escolhe jogar pra frente outra parte”, afirmou.
Gil Castello Branco, secretário-geral da Organização Contas Abertas, também criticou a proposta, principalmente, o uso dos recursos do Fundeb. “O presidente disse que não iria tirar dinheiro dos pobres, mas propõe tirar das crianças e adolescentes. A ideia, além de comprometer o futuro, é uma burla ao teto de gastos. O uso de recursos dos precatórios apenas empurra dívidas com a barriga, em uma ‘corrente da infelicidade’, desrespeitando o Judiciário” , afirmou.
Fonte: Correio Braziliense