Por Adriano Salgado • 11 de abril de 2019
Orçamento público. Sistema da dívida pública. Crise financeira. Histórico do financiamento da educação pública no país. Esses foram os temas centrais abordados pelos palestrantes da segunda mesa de debate do Seminário Internacional do ANDES-SN, na tarde desta quarta (10).
Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, iniciou sua fala abordando como é constituído o sistema da dívida pública no mundo e no Brasil. A auditora explicou que a principal característica do sistema da dívida é a ausência de contrapartida. Citou como exemplo o salvamento dos bancos europeus na crise de 2008. As entidades financeiras foram resgatadas sem ter que oferecer qualquer retorno.
Fatorelli detalhou o financiamento da dívida pública brasileira. Mostrou que o pagamento de juros e amortizações, em 2018, “abocanhou” R$ 1,065 trilhões dos gastos federais. O montante representa 40,66% do orçamento executado pela União. Enquanto isso, Educação recebeu apenas 3,62% do orçamento executado, que ano passado foi da ordem de R$ 2,621 trilhões. A Previdência Social, por sua vez, ficou com 24,48%, que foram destinados à mais de 100 milhões de brasileiros.
A auditora denunciou que o governo vem contabilizando os juros da dívida como amortização, o que permite ao Banco Central emitir títulos para o pagamento. Com isso, a percepção que se tem é que os juros são pequenos enquanto a amortização, gigantesca. “Isso burla o artigo 167, inciso 3 da Constituição que impõe limite para a emissão de títulos apenas para despesas de capital e proíbe a emissão para pagamento de despesas correntes como educação, saúde e também os juros da dívida”, contou. Isso é o que ela denomina de privilégio da dívida.
“Por que a dívida tem esse privilégio? Como se não fosse legítimo contratar dívida para investir e educação, saúde, ciência e tecnologia. Mas vivemos hoje um modelo de priorização do sistema financeiro”, acrescentou.
Maria Lúcia discorreu também sobre como, a partir de 2015, o Banco Central passou a receber depósitos voluntários dos bancos, pagando uma taxa básica de 14,25% de juros. Com isso, houve uma retirada de capital de giro do mercado. Ou seja, as empresas ficaram sem acesso à crédito, pois o dinheiro, cerca de R$ 1 trilhão, estava aplicado no Banco Central.
“O que vocês acham que aconteceu com as empresas sem capital de giro? Isso gerou um efeito cascata na economia. Agora, imaginem o que seria da economia brasileira se fosse irrigada com esse R$ 1 trilhão. A crise que vivemos foi criada. Exatamente para justificar todos os ataques que vivemos desde então. Justifica o ajuste fiscal, os contingenciamentos do orçamento da saúde, da educação, da ciência e tecnologia. Fazer a Reforma Trabalhista, aprovar a Emenda Constitucional 95. Agora, na EC 95 do Teto dos Gastos, limita gasto para todas as políticas sociais, mas não limita para a dívida pública”, explicou.
“A nossa crise, diferente de outros lugares do mundo, veio da com a quebra de indústrias, que não tinham financiamento dos bancos. Com isso, aumenta o desemprego, quebra economias locais e chegamos onde estamos hoje. Essa crise fabricada justifica as medidas restritivas”, reforçou.
Além da crise, Fatorelli avalia que também vivemos, no país, um cenário de escassez produzido pelo modelo econômico vigente. Segundo ela, o Brasil é uma nação extremamente rica, detém, por exemplo, a maior reserva de nióbio do mundo.
“Precisamos tornar isso o mais público possível. As pessoas precisam conhecer a realidade para poder lutar contra ela. Precisa conhecer o sistema da dívida, o modelo tributário e a política monetária, para poder questionar e saber que pode ser diferente”, concluiu.
Financiamento da educação pública
Partindo dos elementos apresentados, o docente da USP, Otaviano Helene, abordou o financiamento da educação pública. Ele fez um resgate do Tratado de Maastricht, ou Tratado da União Europeia, assinado em 1992, que estabeleceu que as nações deveriam destinar ao menos 50% do PIB para gastos públicos. E não poderiam assumir um déficit orçamentário maior que 3% do se seu PIB.
Comparou, então, esses dados com a realidade brasileira, que destina somente 32% do seu PIB para gastos da União, como Previdência (12%), Educação (5%), Saúde (4%), entre outros.
“Ou seja, o setor público gasta muito menos do que deveria gastar para atender adequadamente as questões básicas da população”, afirmou.
Helene lembrou que durante a ditadura civil-militar, investia-se somente 22% do PIB com gastos da União. Nessa época, aplicava-se menos de 3% do PIB em educação. E a média de jovens que concluíam o ensino médio era cerca de 20%.
Com a redemocratização do país, uma série de direitos como o Benefício de Prestação Continuada (BCP), aposentadoria rural entre outros. O índice de conclusão no ensino médio subiu, sendo hoje cerca de 60%. Com isso, o Estado passou a aumentar a arrecadação, pois aumentou seus gastos. E o percentual do PIB destinado a gastos da União passou a 32%.
“Passamos de um patamar de 3% a 5% para a educação. Isso é suficiente? Creio que seja para o modelo precário que temos hoje. Mas para termos uma educação que garanta a soberania do país, que seja inclusiva para que os sujeitos possam se integrar de forma autônoma e que permita a formação de quadros necessários para a demanda do país precisamos de muito mais”, comentou.
Ele ressaltou que o Brasil hoje está entre uma das nações mais atrasadas em termos educacionais na América do Sul. Segundo ele, enquanto a taxa de matrícula no Ensino Superior na Venezuela, Uruguai, Chile e Equador é superior a 60%, no Brasil está em 40%.
“Nenhum país superou seus atrasos educacionais com tão pouco dinheiro. Por isso, já na década de 80, reivindicamos 10% do PIB para a Educação no Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, do Fórum em Defesa da Escola Pública”, contou.
Ele relembrou que o percentual de 10% do PIB foi definido com base no quanto os países que estavam superando os problemas educacionais estavam investindo. Estabeleceram uma meta de 10 anos para a aplicação desse percentual.
“Ou seja, gostaríamos de estar, dez anos depois, onde estavam aqueles países naquele momento. Não era nenhum objetivo absurdo. Primeiro, deveríamos universalizar a educação fundamental, depois o ensino médio e depois o superior”, detalhou.
A proposta formulada por várias entidades, entre elas o ANDES-SN, foi apresentada rejeitada pelos sucessivos governos. Já no governo Dilma, em 2014, conseguiu-se aprovar o percentual de 10% para a Educação. No entanto, não será destinado exclusivamente para a educação pública, como reivindicam os movimentos.
“10% do PIB não irão para os gastos públicos com educação. Inclui subsídios para o setor privado, como o Sistema S, para o Fies, que não é gasto é empréstimo, pois o dinheiro retorna. Ou seja, ainda estamos com 5% para a educação. E há um movimento para reduzir esse percentual, como a Emenda Constitucional 95, que limita os gastos federais. Essa é uma disputa em longo prazo, que afeta não só o orçamento federal, mas também dos estados e municípios”, concluiu.
Após as explanações, os participantes puderam fazer perguntas e exposições. O debate foi mediado por Emerson Duarte, 2º vice-presidente da Regional Norte II.
Fonte: ANDES-SN