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Repressão a movimentos sociais atinge a democracia


Por Adriano Salgado • 14 de junho de 2018

Truculência das forças de segurança, endossada por governos e até pela própria Justiça, atenta contra o estado de direito

A decisão de um juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que autorizou que a Polícia Militar utilizasse técnicas assemelhadas às de tortura para forçar a saída de estudantes que ocupavam o Centro de Ensino Asa Branca, em Taguatinga, em novembro de 2016, evidencia que, muitas vezes, aqueles que têm maior dever de guardar, proteger e aplicar a Constituição são justamente os que a desacatam.
Segundo o professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP, Pedro Estevam Serrano, “a compreensão da importância do papel dos movimentos sociais na história da construção da democracia tal qual conhecemos hoje é fundamental para que se possa entender a gravidade dessas medidas contra os estudantes e o MST. A democracia não é apenas um regime político de Estado, mas um regime sociopolítico, um modelo social, portanto, não há Estado democrático sem uma sociedade democrática”.  (Revista Carta Capital – 7/11/2016).
Para Marcus Ianoni, cientista político e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), a recente escalada da violência política antidemocrática (que teve como episódio mais notório o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes) é resultado da polarização política movida pelo ódio, acionada, nesse período de crise, por atores da direita e das classes favorecidas. “O regime democrático depende de uma sociedade e de uma cultura política democráticas. A democracia requer também lideranças democráticas. O presidente Temer acaba de dizer que o povo brasileiro teria se regozijado com o golpe de 1964. Se os que deveriam ser exemplares na defesa dos valores democráticos e das respectivas instituições flertam com o autoritarismo e com a violência política, quem defenderá a democracia?” (Revista Carta Capital – 12/04/2018).
E democracia foi realmente o que faltou em episódios onde a truculência repressiva substituiu o diálogo, como na recente ação da Polícia Militar contra professores da educação infantil em frente à prefeitura de Belo Horizonte, no centro capital mineira, no último dia 23 de abril, quando o Batalhão de Choque usou bombas, gás de pimenta e jatos d’água para dispersar os servidores que lutam pela igualdade salarial com os educadores do ensino fundamental.
Em outro episódio, em março deste ano, professores municipais da cidade de São Paulo foram duramente reprimidos durante uma manifestação na Câmara Municipal durante ato dos professores contra a reforma da Previdência de servidores municipais proposta pelo então prefeito João Dória (PSDB). Os guardas municipais e PMs usaram bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral para impedir a entrada de manifestantes na Câmara para acompanhar a discussão do projeto. No interior da Casa também houve repressão, com ao menos uma manifestante gravemente ferida.
O mesmo modus operandi foi usado contra servidores públicos do Paraná, a maioria professores, em abril de 2015, quando as forças de segurança, capitaneadas pelo governador Beto Richa montaram uma estrutura “de guerra” para conter os protestos contra a votação do projeto que alterava a previdência dos servidores. O confronto ocorreu quando os manifestantes tentavam o acesso à Assembleia Legislativa para acompanhar a votação da proposta. Cerca de 50 pessoas saíram feridas após a polícia lançar mão de bombas de efeito moral, balas de borracha, jatos de água e gás de pimenta.

Ocupa Brasília

Em novembro de 2016, durante a ocupação da Explanada dos Ministérios em protesto contra a 1ª votação da PEC 55 no Senado Federal, que previa um congelamento dos gastos da União por 20 anos, a Polícia Militar usou de gás lacrimogênio, gás de pimenta e bombas para dispersar a multidão, transformando a Capital Federal num campo de guerra.
Presente ao ato representando a ADUFLA, o professor José Luís Contado (DCA), que estava acompanhado do professor Rafael de Deus Garcia (DIR) e das professoras Maria Raquel Isnard Moulin (DMV) e Renata Teles Moureira (DCC), entende que a maneira como as forças de segurança operam diante de manifestações populares são resquícios da Ditadura Militar. “Hoje, os manifestantes estão mais passíveis, mas a truculência da polícia está mais forte, seja contra os sem-teto, os sem-casas, professores, sindicatos. Mas sempre foi assim. Eles [Polícia] sabem muito bem o que tem de fazer nessas situações. E fazem muito bem”, enfatiza o professor.
No ato em Brasília, Contado lembra que a manifestação estava sendo conduzida de forma pacífica, até que um pequeno grupo “virou” um veículo justamente próximo ao local onde estavam concentrados os policiais do Pelotão de Choque, que imediatamente iniciaram a operação para dispersar os manifestantes com o uso de bombas, gás lacrimogênio, de pimenta. “Estava programado. Foi algo planejado. Só precisava de um motivo. Não precisava tanta força para afastar os manifestantes. Eles poderiam ter controlado a situação de forma isolada, mas partiram pra cima e foram pressionando a multidão, que teve que recuar. A maioria fez sem resistência, mas sempre tem aqueles que vão para o embate”, conta.
Natural de São Paulo, o professor Contado disse que a tática utilizada em Brasília foi a mesma registrada no seu estado na época em que Alexandre de Moraes, atualmente Ministro do STF, era secretário da Justiça, no Governo de Geraldo Alckmin. “O então Ministro da Justiça do Temer levou o modelo de São Paulo para Brasília, empregando força aquém do necessário para dispersar os manifestantes. É a mesma tática” É a mesma tática”, destaca.
Em análise, o professor Contado avalia que a participação dos docentes no movimento em defesa dos direitos da categoria está cada vez mais fraca, tanto na UFLA quanto nas demais universidades país afora. “Estávamos protestando contra o congelamento dos gastos por 20 anos, contra cortes nos investimentos, mas apenas quatro professores se prontificaram a ir a Brasília. Tinham poucos professores na manifestação. Muitos não se atentaram para o problema, não perceberam a importância daquela situação e hoje sofrem com a falta de recursos na universidade. As pessoas estão cada vez mais individualistas, imediatistas, preferem acompanhar do que participar”, lamenta.

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