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Só instituições públicas fazem pesquisa no Brasil, afirma organização


Por Adriano Salgado • 6 de fevereiro de 2018

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) divulgou, no dia 17, relatório produzido pela empresa estadunidense Clarivate Analytics – ligada à multinacional Thomson Reuters – sobre a pesquisa científica no Brasil entre 2011 e 2016. Destacam-se no relatório três conclusões: praticamente só há produção de pesquisa científica em universidades públicas, há pouco impacto internacional na produção científica brasileira e apenas Petrobras e indústrias farmacêuticas realizam investimento relevante nessa área no país.

Epitácio Macário, 3º tesoureiro e um dos coordenadores do Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia (GTCT) do ANDES-SN, ressalta que as políticas de ajuste fiscal do governo brasileiro vão na contramão da pesquisa científica de qualidade. “A predominância absoluta das universidades públicas na produção de Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil deveria implicar em maior investimento no setor e não no corte de orçamento, que é o que vem fazendo os últimos governos. É também um dos fatores ligados ao custo das instituições públicas que procuram manter o tripé ensino, pesquisa e extensão. Nas instituições privadas o que se tem é apenas ensino, muitas vezes de qualidade duvidosa. Mais um motivo para enfrentar o falacioso relatório do Banco Mundial, que defende a diminuição de investimentos estatais e o aprofundamento da privatização das universidades públicas brasileiras”, afirma, ressaltando a importância do regime de trabalho de Dedicação Exclusiva como fundamental para que os docentes possam desenvolver com qualidade o tripé ensino, pesquisa e extensão.

Impacto internacional

Quantitativamente, o Brasil produziu nesse período cerca de 250 mil papers que foram enviados à base de dados internacional Web of Science, números próximos à Holanda (242 mil), mas muito inferiores a países como EUA (2,5 milhões), China (1,4 milhão) e Reino Unido (740 mil).

Epitácio Macário pondera sobre o caráter gerencialista de uma avaliação baseada somente no número de publicações. “A avaliação baseada somente no número de papers publicados internacionalmente é insatisfatória, faz parte de um modelo gerencialista que se tenta impor sobre as universidades públicas e é caudatária da dependência técnica, científica e cultural de países latino-americanos. A relevância social do conhecimento produzido fica às escondidas, enquanto é realçada apenas a quantidade de papers”, comenta o docente.

O Caderno 28 do ANDES-SN, que trata de Ciência e Tecnologia, também traz uma análise sobre o tema. “O modelo gerencialista de universidade impõe o produtivismo como instrumento e utiliza critérios como: número de publicações acadêmicas, número de publicações em língua estrangeira, número de citações etc. Esse conjunto de exigências e critérios é referendado pela Capes/CNPq, que, por sua vez, estão alinhados com as políticas do MEC e do MCTIC. Esses critérios resultam no enfraquecimento da diversidade da produção e veiculação do conhecimento em todas as áreas. Tal modelo inviabiliza o desenvolvimento de uma cultura acadêmico cientifica brasileira. Isso fica evidente, por exemplo, na desqualificação de periódicos nacionais rotulados como irrelevantes. Assim, independente da função social, há uma gama de conhecimento que é produzido e não é valorizado”, afirma o Sindicato Nacional na publicação.

Quanto ao impacto da produção, que a Clarivate Analytics considera ser a citação da pesquisa em pesquisa posterior, o Brasil também está abaixo da média mundial e abaixo de outros países periféricos, como Argentina, México e África do Sul. Mesmo produzindo mais em quantidade, o Brasil tem índice de impacto (0,78) inferior ao mexicano (0,82) e ao argentino (0,92).

“Esse índice considera o quanto um paper é citado por outras pesquisas, deixando no escuro medidas de impacto social do conhecimento produzido. O ANDES-SN preconiza uma avaliação centrada, fundamentalmente, na relevância das pesquisas para a resolução de problemas da maioria da sociedade. O caráter social da ciência é realçado na proposta do ANDES-SN”, comenta Macário.

Entre as 30 universidades do mundo com maior impacto de pesquisa não há nenhuma brasileira, e apenas uma argentina: a Universidade de Buenos Aires. Todas as demais são ou europeias, ou da América do Norte ou da Austrália.

“Não é de se estranhar porque os países de capitalismo central desfrutam de amplas e melhores condições nos seus sistemas de produção de C&T, inclusive com importante participação das empresas no financiamento. O lugar ocupado pelos países periféricos e semiperiféricos na divisão internacional do trabalho condiciona seu fraco desempenho no desenvolvimento de novos conhecimentos no plano mundial. O Caderno 28 do ANDES-SN demonstra que enquanto o Brasil investia em pesquisa e desenvolvimento algo em torno de 1,28% do seu PIB em 2015, os Estados Unidos investiam 2,79%, a Alemanha 2,93%, o Japão 3,29% e a Coreia do Sul 4,23%”, afirma o coordenador do GTCT do ANDES-SN.

Só universidades públicas produzem no Brasil

O relatório demonstra que praticamente não há produção científica em instituições privadas no Brasil. Entre as 20 instituições que mais produziram papers e que mais tiveram impacto estão 15 universidades federais e 5 universidades estaduais. A Universidade de São Paulo (USP), estadual, lidera a produção quantitativa, enquanto a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), também estadual, é a qual cuja produção tem maior impacto. O relatório mostra que as universidades públicas produzem artigos científicos altamente citados e que alcançaram boas taxas entre 1% dos papers mais citados do mundo. (Confira gráfico)

“O protagonismo das universidades públicas na produção de C&T deveria ser fortalecido, mas a Lei da Inovação (10.973/04) e o Marco Legal de CTI (13.243/16) defendem é o compartilhamento da infraestrutura existente, do pessoal e do patrimônio científico e tecnológico desenvolvido pelas instituições públicas com as empresas privadas”, critica o docente.

Quanto à produção por unidade federativa, o relatório deixa explícita a diferença regional na ciência. Os estados do sul e do sudeste dominam a produção, tanto quantitativa quanto qualitativa, e o primeiro estado do nordeste a aparecer no ranking quantitativo é Pernambuco, em sétimo lugar. “É a forma da lei do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo se materializar dentro do país. De um lado, a inferioridade do Brasil em relação aos países centrais condicionada em grande medida por uma economia assentada na produção de bens primários, e, por outro, a infinita superioridade do Sudeste que expressa as desigualdades regionais brasileiras”, completa Macário.

Investimento privado

O relatório lista o investimento privado na pesquisa brasileira. Além da Petrobras, empresa estatal de economia mista, praticamente apenas indústrias farmacêuticas investem dinheiro na ciência brasileira, como Roche, Pfizer, Bayer e Johnson & Johnson. Há, ainda, pequeno investimento da IBM (tecnologia) e AT&T (telecomunicações). Os índices de participação da indústria na pesquisa científica brasileira (0,99%) são bastante inferiores aos de países como França, Alemanha, Argentina, Japão e Canadá (que vão de 3,5% a 2,2%), e se assemelham aos da Índia (0,69%) e da Rússia (0,69%).

“O protagonismo das empresas em Pesquisa e Desenvolvimento está ligado às características da formação do mercado interno. No caso brasileiro, as empresas estão muito mais interessadas na força de trabalho, nas matérias primas e recursos naturais adquiridos a preços muito baixos. Quando necessitam inovar, compram máquinas, equipamentos e insumos no mercado internacional, retroalimentando a dependência tecnológica e científica. Coube ao Estado o maior esforço de investimento em C&T e pesquisa e desenvolvimento até aqui”, conclui Epitácio Macário.

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