Por Adriano Salgado • 27 de novembro de 2017
O governo de Michel Temer pretende anunciar no mês de dezembro a criação de um fundo privado de financiamento de pesquisa científica. Segundo o jornal a Folha de São Paulo, o governo prevê arrecadar cerca de R$ 2 bilhões anuais de empresas do setor elétrico, das telecomunicações, da mineração, da bioenergia e do petróleo e, com isso, financiar pesquisas em instituições públicas.
Essas empresas devem, por contrato ou por lei, investir 1% de sua receita líquida em pesquisa científica, e é com esse montante que Temer quer financiar a ciência brasileira. A título de comparação, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) teve R$ 1,7 bilhão de orçamento no ano de 2017, valor abaixo da arrecadação prevista pelo governo para o fundo privado.
De acordo com o jornal diário, o governo planeja que a gestão desse fundo seja realizado por meio do Programa de Excelência de Universidades e Institutos, a ser criado dentro da estrutura do Ministério da Educação (MEC). O CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) serão os responsáveis pela execução do fundo. O governo priorizará o investimento em “pesquisas competitivas internacionalmente”.
Ironicamente, uma das justificativas para a criação do fundo privado é a Emenda Constitucional (EC) 95, que limita os investimentos públicos no país por vinte anos. O dinheiro privado não pode ser contingenciado, diz o governo, para justificar a privatização do financiamento científico no Brasil.
PL de fundo patrimonial tramita na Câmara
O Projeto Lei (PL) 4643/12, que cria o Fundo Patrimonial (endowment fund) nas instituições federais de ensino superior, está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, aguardando parecer do relator.
O PL 4643/12, de autoria da deputada Bruna Furlan (PSDB/SP), institui a criação de um fundo privado feito a partir de doações de pessoas físicas ou jurídicas para o financiamento das instituições federais de ensino públicas, com a possibilidade de dedução do imposto de renda (IR) das pessoas físicas e jurídicas.
O projeto também considera a existência de um Conselho Gestor para investir na especulação financeira e garantir rendimento. Na prática, o PL permite que qualquer empresa – que necessite ampliar a sua produção tecnológica e baratear a produção -, faça doações para esse fundo, deduzindo do IR e, em contrapartida, a universidade produzirá tecnologia para beneficiar essa empresa doadora.
Recentemente, as universidades britânicas de Oxford e Cambridge tiveram dados de seu endowment fund divulgados no Panamá Papers – um conjunto de 11,5 milhões de documentos confidenciais de autoria da sociedade de advogados panamenha Mossack Fonseca que fornecem informações detalhadas de mais de 214 000 empresas de paraísos fiscais offshore. As universidades investiram milhões de libras esterlinas de seu fundo em empresas localizadas em paraísos fiscais.
EUA garante recursos públicos para ciência
Enquanto os governos do Brasil e dos demais países da América do Sul seguem a cartilha de responder à crise econômica com privatizações e ajuste fiscal, nos Estados Unidos a lógica, contraditoriamente, é distinta. Estudo divulgado em 2012 pelo National Science Board (Conselho Nacional de Ciências, em tradução livre) apontou que, apesar de 70% das pesquisas científicas do país serem realizadas em empresas privadas, é nas pesquisas com financiamento público que há maior possibilidade de inovação radical.
O relatório critica o fato de que as empresas investem em “desenvolvimento” de produtos, e não em inovação. Levando em conta apenas as pesquisas de inovação, o orçamento público dos EUA era responsável, em 2012, pelo financiamento de 53% das pesquisas do país. “O financiamento público é essencial para sustentar a excelência das instituições públicas de pesquisa que desempenham um papel significativo no sistema de inovação dos EUA”, adverte a entidade.
Outro exemplo de inovação científica é a agência espacial estadunidense, a Nasa, que é financiada exclusivamente com dinheiro público. Em 2017, a agência tem previsto o investimento público de 19,5 bilhões de dólares, o que representa 0,5% de todo orçamento federal dos EUA – o dobro do que recebe a Fundação Nacional de Ciência dos EUA. Outros países, reconhecidos internacionalmente pela sua inovação científica, também investem fortemente dinheiro público em pesquisas. Israel, Coreia do Sul, Japão, Suíça, Finlândia e Dinamarca investem, pelo menos, 3% de seu orçamento em pesquisas científicas.
*Com informações da Folha de S. Paulo, Evening Standart, Business Insider. Ilustração de Rafael Balbueno.
Fonte: ANDES-SN